Do «Deus, Pátria e Família» à atual Democracia.


Se houve coisa boa que o 25 de Abril de 1974 nos deixou de herança, foi a sensação de sermos livres. Livres nos nossos atos, nos nossos pensamentos e nas nossas decisões. Foi de ter-mos a posse de uma sensação de liberdade, mesmo que por vezes não passe disso mesmo, de apenas uma sensação, uma sensação só possível de ser sentida por estarmos no caminho da construção de um Estado Democrático. Com o 25 de Abril ficámos livres de caminhar o nosso próprio percurso e livres de acreditar na luz que melhor acharmos que nos ilumina.

Da pureza da “insurreição”, nasceram movimentos, grupos de pessoas que acreditaram ser possível derrubar uma Ditadura Fascista que teimava em se perpetuar no tempo desde 1926, uma Ditadura que foi mesmo considerada como a mais longa ditadura do Séc. XX no espaço europeu.


Com a sua queda, os partidos até então sucumbidos e amordaçados pela PIDE, insurgiram-se e tomaram a «posse» da suposta razão intelectual. Uma razão só talvez comparada à razão de uma criança, e diga-se que em boa verdade, a democracia portuguesa na época de 1974 era isso mesmo, uma criança!


Volvidos 43 anos, a nossa democracia ainda continua a «tentar» aprender a como se construir, e o impressionante, é que mesmo assim, continua constantemente a «revolucionar-se» a si própria. Torna-se por isso imperativo que as suas constantes revoluções não permitam esquecer os motivos de um passado tão recente que levaram Homens a lutar pela sua implementação.

Parte 1 de 3 - A Laicidade do Estado e a Isenção política da Igreja


Um dos grandes passos da democracia portuguesa foi a sua capacidade de se tornar um Estado Laico, isto é, um Estado que não discrimina nem apoia nenhuma religião, um Estado que tem como principio a defesa da liberdade religiosa de todos os seus cidadãos, que não permite a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas e que defende que a religião não deve ter influência nem deve ser usada para assuntos do Estado, seja ele que assunto for.

Esta doutrina foi supostamente assumida por Portugal não só pelo direito de escolha dos cidadãos na sua fé, mas principalmente para precaver que a religião tivesse uma atitude de colaboração e incentivo para com qualquer regime político, defendendo-a inclusivamente do Estado a conseguir instrumentalizar a seu favor, algo que era visível durante o período da Ditadura Militar e do Estado Novo.

 Existe mesmo um episódio na história da relação Estado-Religião, mais precisamente num período controverso, um período onde a Religião Cristã se sentia ameaçada por parte da antiga URSS que consiste numa carta dirigida ao cardeal Cerejeira (disponível em http://www.fmsoares.pt/) escrita em Novembro de 1946 pela Irmã Lúcia e onde era possível ler-se que «(…) Salazar é a pessoa por Ele (Deus) escolhida para continuar a governar a nossa Pátria, (...) a ele é que será concedida a luz e graça para conduzir o nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade». Afirmação foi veemente condenada pelo Papa João XXIII afirmando ele que «Lúcia por vezes dizia coisas demais, em matérias delicadas que exigiam toda a prudência». O Papa João XXIII tinha uma ideologia “separatista” da Igreja e dos problemas políticos, e a sua postura foi seguida pelo seu sucessor, o Papa Paulo VI, também ele interessado em “afastar” a Igreja dos conflitos políticos que teimavam em persistir, uma postura que não agradou em nada António de Oliveira Salazar.

Após o 25 de Abril de 1974, mais precisamente em 1976, e após sucessivas eleições que vinham deixando marcas de cansaço em todos cidadãos. Os Bispos portugueses apelaram à participação dos eleitores às urnas em detrimento da abstenção através de um comunicado da reunião plenária do Episcopado de 12 de Novembro do mesmo ano, onde também era possível ler-se a “aplicabilidade de um código de boa conduta a todos os sacerdotes”.

«(…) [Os Bispos] esperam que os Sacerdotes, sem descurarem a sua missão de educadores de consciências, evitem imiscuir-se nas lutas partidárias atendendo-se às repetidas declarações do Episcopado em defesa da isenção política da Igreja (…)»

A instauração da democracia permitiu assim, com a ajuda da postura de isenção política da Igreja e da laicidade do Estado, que existisse até aos dias de hoje, uma estabilização positiva e pacífica na relação entre estas duas entidades em solo português, e para bem da sua continuidade e credibilidade, espera-se que assim se continue por muito mais tempo!

Praeterita meminisse aedificare futurum.


Fonte: A Senhora de Maio dos autores António Marujo e Rui Paulo Cruz   

Comentários